O Que é Intralogística?
O que é e como evolui um dos principais conceitos relacionados à excelência operacional e à qualidade em serviços ao cliente?
O termo foi desenvolvido pela VDMA (Verband Deutscher Maschinen- und Anlagenbau), uma associação alemã de 130 anos de existência, por meio de um fórum que definiu a intralogística como:
“A organização, controle, execução e otimização dos fluxos de materiais e informações na indústria e no setor público, incluindo o transbordo e a distribuição”.
No Brasil, apesar do IMAM – Instituto de Movimentação e Armazenagem de Materiais ter sido fundado em 1979 sob a ótica da excelência na “Intralogística” (lema: “A Arte e a Ciência do Fluxo de Materiais”), o termo foi definido e começa a ser utilizado em larga escala a partir de 2004, pela VDMA, onde pudemos acompanhar a utilização do mesmo, com maior intensidade, na Feira Industrial de Hannover/ CeMAT, na Alemanha.
EVOLUÇÃO DA INTRALOGÍSTICA
Assim como vários outros termos relacionados à Logística, a história da intralogística também têm seu desenvolvimento acelerado nos períodos de guerra.
1950: A realidade dos materiais, que eram estocados ao nível do piso, começava a mudar, no início da década de 1950, sob a influência das novas soluções para movimentação e armazenagem vindas principalmente dos EUA. A introdução de paletes como elementos de unitização universal e também das empilhadeiras, permitiu ao Exército dos EUA atender suas demandas logísticas. Obviamente que as “novas” tecnologias também seriam adaptadas às condições europeias. E foi a introdução de unitizadores padronizados, em forma de contentores e paletes, que promoveu o desenvolvimento de novos equipamentos (empilhadeiras, transelevadores, pontes rolantes empilhadeiras e carrinhos de elevação). As vantagens das estruturas porta-paletes para estocagem eram evidentes: economia de espaço (ocupação) e o fácil acesso a todos os materiais estocados (seletividade). Na Alemanha, a grande conquista dos especialistas da época foi a padronização do euro-palete (800 x 1200 mm), chave também para a padronização dos equipamentos e sistemas logísticos.
1960: A década de 1960 foi marcada por um forte crescimento econômico, resultando na rápida expansão da indústria, distribuição e comércio internacional. Obviamente, um efeito colateral do boom econômico foi a escalada da inflação dos custos de mão de obra e de material. Neste momento, os gestores já sabiam que era absolutamente necessário buscar eficiência em todas as operações da empresa e não apenas no processo de produção. Olha aí a “intralogística” fazendo a diferença…
A “intralogística” (foco: estocagem) destacou-se pelo seu potencial de racionalização e verticalização sendo que, para explorar essa oportunidade, os estoques começavam a ser vistos mais do que apenas um mal necessário, mas se tornavam um “amortecedor” útil e eficiente entre as várias etapas da cadeia de suprimentos.
Assim, a década de 1960 foi marcada pelo rápido progresso na tecnologia de estocagem. O primeiro armazém automatizado, com 20 metros de altura, foi construído na Alemanha em 1962 e o advento desse tipo de tecnologia de estocagem inaugurou um período de avanços no desenvolvimento de sistemas de movimentação.
O desempenho destes sistemas de movimentação e estocagem foi melhorando de forma constante, com velocidades atingindo 3 m/s e alturas de porta-paletes alcançando 30 metros.
Outros avanços passavam pela melhoria do fluxo de informação e a automatização dos processos de movimentação e armazenagem era apoiada por sistemas de gestão baseados em informações de cartões perfurados.
1970: Com o início da década, veio também um mercado onde o comportamento do consumidor forçava as empresas a repensar sua abordagem de produção e distribuição. O mercado começava a exigir produtos de qualidade e um maior mix de ofertas de produtos. Além disso, esperava-se alta disponibilidade e prazos de entrega curtos.
Neste contexto, os sistemas de “intralogística” existentes já não eram capazes de lidar com essas mudanças no comportamento do consumidor. Novos conceitos surgiram para que as empresas respondessem a esses padrões de demanda a um custo razoável. Assim, novos métodos de estocagem, separação de pedidos e expedição assumiram uma maior importância.
A década foi marcada por uma onda de investimento em automação e verticalização, bem como equipamentos para manuseio de materiais e a expansão das operações de separação de pedidos e distribuição transformou os armazéns em centros de distribuição. Os atacadistas estavam particularmente atentos às vantagens dos modernos centros de distribuição em termos de custos operacionais e qualidade de serviço.
Nesse período, a “intralogística” (foco: movimentação de materiais) foi fortemente influenciada pela introdução de novas tecnologias, como sistemas elétricos de monotrilho, AGVs, AS/RS etc. No entanto, foi nesse período que acelerou também o desenvolvimento da tecnologia, incluindo a engenharia elétrica, eletrônica e tecnologia da informação. Pode-se dizer que a chegada do primeiro microprocessador, em 1972, marcou o início da terceira revolução industrial.
As tecnologias baseadas em microprocessadores foram implementadas com os sistemas de armazenagem automatizados (AS/RS – transelevadores), para funções de controle, posicionamento e transferência de dados, bem como relatórios de erros. Os microprocessadores assumiam assim o controle e o monitoramento dos fluxos de material e de informações.
Em resumo, a década de 1970 foi um período de grandes avanços na automação da “intralogística” (observe que coloco o termo intralogística entre aspas, pois não se utilizava ainda este termo na época).
1980: A situação econômica no início da década de 1980 e o desejo de compreender os métodos de produção japoneses desencadearam o impulso para uma fabricação mais flexível, visando também reduzir o custo e os ciclos de produção. Aqui no Brasil, foi em 1985 que o Instituto IMAM, já desenvolvendo as melhores práticas de “intralogística”, por meio de seus fundadores Reinaldo Moura e José Maurício Banzato, começava a realizar uma sequência de quase 50 Missões Técnicas ao Japão, promovendo assim o “Just-In-Time” para milhares de executivos brasileiros. Assim, no Brasil e no mundo, os fabricantes se voltaram para as Células de Manufatura, Kanban, 5”S”, TPM, Kaizen entre tantas outras técnicas que impactavam diretamente a “intralogística”. A partir desta realidade, os planos diretores (planejamento de operações) começaram a investir em uma visão mais ampla (a produção como um todo), incluindo processos internos e externos. Isso deu origem à chamada filosofia “JIT – Just-In-Time”, buscando otimizar toda a supply chain por meio de entregas pontuais ao longo de toda a cadeia. A reorganização dos processos de produção, desta forma, também começava a depender da implantação de mais Tecnologia da Informação. Novos sistemas de transferência eletrônica de dados foram implementados (ex.: EDI) e padrões estabelecidos para troca de informações. A identificação de mercadorias por etiquetas de código de barras e os leitores (“scanners”) atingiram a maturidade, possibilitando atender a demanda por meio de fluxos de materiais e informações mais confiáveis (acuracidade).
A introdução de sistemas de código de barras, talvez possa ser apontada como o principal marco da década de 1980 para a evolução da “intralogística”. A substituição da identificação manual pela automatizada aumentou muito a qualidade de informações e a eficiência dos processos.
Com as melhorias de desempenho dos processos, já era mais simples justificar investimentos em sistemas de automação (ex.: classificadores – “sorters”), apesar dos mesmos levarem um pouco mais de tempo para se viabilizarem em maior escala no Brasil. Mas, independentemente disso, em meados do anos 1980, com a maior disponibilidade de PC’s (Personal Computers), uma nova fase de desenvolvimento foi iniciada. E foram justamente os PCs que começavam a ser utilizados para planejamento de armazéns, por meio de planilhas, simuladores etc., bem como para gerenciamento de armazéns (primeiras soluções WMS – Warehouse Management Systems).
1990: Foi a busca por mais eficiência ao longo de toda a cadeia de suprimentos que, durante a década de 1990, os americanos efetivamente absorveram as “técnicas japonesas” e desdobraram as mesmas no que foi caracterizado como “produção enxuta” (“Lean Production”) que chegaria também ao Brasil em meados dos anos 1990, praticamente uma década após muitas empresas brasileiras terem iniciado a implementação de seus modelos de gestão baseados no “JIT” e no “TPS – Toyota Production System”. Na “intralogística”, outra tendência importante que marcou esta década, foram os esforços das empresas em focar nas suas competências essenciais, o que levou ao aumento da terceirização de boa parte das operações logísticas. Empresas nacionais e internacionais avançaram durante este período e a “intralogística” continuou sua evolução, pois passava a ser um grande diferencial competitivo.
Em relação aos equipamentos de “intralogística”, o foco principal foi em tecnologias de “mini-load” para estocagem, a partir de dispositivos de movimentação de carga mais leves, rápidos e eficientes, para estocagem de pequenas peças. Isso permitiu grandes aumentos na capacidade de estocagem e recuperação. Após os reveses iniciais, os veículos automaticamente guiados – AGVs, já avançavam nos mais diferentes mercados, inclusive em várias empresas no Brasil, viabilizando o conceito “Forklift Free”, livre de empilhadeiras, em diferentes operações. Durante a década de 1990 também houve avanços marcantes na integração de computadores e periféricos com as redes de dados baseadas em Ethernet. A introdução de topologias de barramento em anel e estrela reduziu os custos de instalação, manutenção e solução de problemas da rede.
2000: No início do novo milênio, a globalização assumiu o papel de força dominante na indústria e no comércio. A logística tinha o desafio de fundir as Cadeias de Suprimentos de diferentes parceiros em redes globais. “Supply Chain Management” tornava-se o termo geral para o projeto, otimização e operação dessas redes. Os objetivos centrais eram otimizar o portfólio de ativos na cadeia de suprimentos, aplicando o princípio “pull” (“puxado”) e expandindo assim os conceitos de compras “JIT – Just-In-Time” e “JIS – Just-In-Sequence”. Essas estratégias começaram a incentivar a construção de parques industriais próximos aos clientes.
Um impulso importante para os novos desenvolvimentos da “intralogística” vinha da Internet e do aumento da demanda relacionada ao comércio eletrônico – entre empresas (B2B), entre empresas e consumidores (B2C) e ponto a ponto entre consumidores (C2C). Um dos primeiros varejistas on-line foi a Amazon, com sede em Seattle, que desde então começou a lançar um serviço global integrando tecnologia de informação, “Fulfillment” (atendimento) e uma rede de armazéns conectada pela moderna tecnologia de comunicação por satélite. Na separação de pedidos, os sistemas de “voice picking” atingiram a maturidade e as taxas de erro reduziram ainda mais. Além disso, vale destacar que um grande avanço da década de 2000 foi a aceleração da tecnologia de identificação RFID. As etiquetas RFID permitiram que mercadorias e dispositivos de movimentação carregassem muito mais informações, possibilitando uma gama ainda maior de funções em relação às etiquetas de código de barras.
Enfim, novas tecnologias de intralogística já estavam presentes na época, desde o início dos anos 2000 e por meio do Instituto IMAM, pudemos também ver o nascimento de empresas como a KIVA, o seu avanço no aumento da eficiência de operações de ‘fulfillment” (atendimento), até sua aquisição pela Amazon em 2012, onde se daria uma nova escala de aceleração da tecnologia.
Foi ainda nesta década que o termo Intralogística passou a ser cada vez mais utilizado, a partir da Alemanha (VDMA), pois já ficava claro para o mercado as diferenças entre a Supply Chain Management, a Logística e a Intralogística.
O papel dos projetos de “intralogística”, que nos anos 1990 eram focados na escolha das melhores soluções do ponto de vista técnico e econômico, a partir dos anos 2000 passou a demandar análises das Cadeias de Suprimentos muito mais profundas e complexas.
2010: No início desta década, o Instituto IMAM desenvolveu junto ao Ibope Inteligência uma pesquisa em nível nacional para compreender quanto a Intralogística representava em relação aos custos operacionais de empresas nos mais diversos setores de atuação. Apesar de grandes variações entre os setores, a média nos mostrou 25%, o que é algo significativo para viabilizar grandes investimentos. Pouco após a publicação da pesquisa, coincidentemente, a Amazon realizou uma grande aquisição (KIVA Systems), mostrando que a intralogística é estratégica na busca da excelência e da competitividade.
Foi uma década marcada pelos “Insights”… aqueles “jovens” que compreenderam o papel da intralogística nas atuais cadeias de suprimentos partiram para o desenvolvimento de soluções mais inteligentes (“startups” ou laboratórios internos com times que buscavam resolver cada problema/ oportunidade identificado nas Cadeias de Suprimentos). Muitos se perderam nesta década, pois a aceleração foi muito intensa em relação ao número de profissionais preparados.
A intralogística ganhou papel estratégico e os grandes “players” mundiais de soluções de intralogística partiram para um processo de aquisições de outras empresas e novas tecnologias que complementam seus portfolios de soluções. Este processo tem impacto direto nos projetos de análise de viabilidade e soluções que não eram viáveis no passado passam a ser e vice-versa.
No Brasil, estamos ainda sentindo os reflexos de nossa má gestão governamental… justamente quando estávamos acelerando, no final dos anos 2000, freamos bruscamente a economia a partir de 2011 e desaceleramos muitos investimentos em intralogística. Os projetos na área não pararam mas perdemos contato com a “locomotiva” mundial chamada “competitividade”.
Os países que mais empregam e geram oportunidades para as mais diversas empresas aceleraram na tecnologia 4.0 e na automação da intralogística e nós continuamos restritos aos nichos de excelência que, apesar de serem referências mundiais, não são suficientes para viabilizar economicamente muitas soluções automatizadas em maior escala aqui no Brasil. Chegaremos lá…
2020: Após a pandemia, com guerras e instabilidade políticas e econômicas, o mundo se desequilibra mais uma vez, abrindo novas portas… a tecnologia da informação avança, soluções de inteligência artificial, blockchain, visão computacional, simulação, veículos autônomos e sistemas robotizados já é realidade em várias operações também no Brasil. Algumas, porém poucas empresas aqui no Brasil se tornaram referências mundiais e isso mostra que, apesar de nossas grandes limitações e dificuldades, somos capazes de vencer neste cenário.
Nichos de excelência no Brasil aceleram também o desenvolvimento de profissionais por meio de Escolas Corporativas com ênfase em Supply Chain e Excelência Operacional, trabalhando determinados conceitos de “intralogística” relacionados por exemplo à matemática, estatística, tecnologia, otimização etc. que poderiam ter sido perfeitamente desenvolvidos na educação básica, mas é algo que precisamos investir e avançar para que as grandes soluções de intralogística não fiquem restritas apenas a uma “elite” cada vez mais preparada.
Parabéns a todas as empresas que assim estão “democratizando” o conhecimento em intralogística e incentivando o desenvolvimento de organizações que investem na invenção, na inovação e na melhoria contínua.
Vamos em frente!
Eduardo BANZATO – Diretor do IMAM